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Sábado - 06 de Julho de 2019 às 01:17
Por: Eliane Oliveira e Marcello Corrêa

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BRASÍLIA - Quando assumiu, há 71 dias, a presidência da Comissão Especial encarregada de analisar a reforma da Previdência na Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) foi direto: disse que não tinha qualquer simpatia pelo presidente Jair Bolsonaro, mas trabalharia pela votação da proposta encaminhada pelo Executivo. Concluída a votação, na madrugada desta sexta-feira , após 191 horas de debates, Ramos continua com uma postura bastante crítica ao presidente da República. Para ele, há "dois Bolsonaros", um corporativista e um liberal. Quando os dois entram em conflito, vence o populista.



Na primeira entrevista após a conclusão do processo, o parlamentar diz ao GLOBO que o Legislativo carregou a condução dos trabalhos nas costas e entregou mais do que o governo pediu, ao criticar o custo de transição para a capitalização. Para a próxima etapa, no plenário, prevê a continuidade de lobbies por benefícios para categorias como a da segurança, mas confia em um comprometimento dos congressistas com a pauta econômica.

A questão da inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência ficou em aberto até o último momento. O senhor acredita ainda ser possível mudar o texto no plenário da Câmara?

- Ainda dá tempo. Não podemos perder a chance de resolver a questão previdenciária dos estados, porque no fim essa conta depois vai para a União. Não será um movimento fácil. Nós abrimos mão dessa estratégia na comissão, porque não valeria a pena perder a reforma para a União e não havia tinha unidade entre os parlamentares para incluir estados e municípios. Mas acho que vale a pena tentar.

Havia uma expectativa de que os governadores trabalhariam pela inclusão de estados e municípios, o que acabou não ocorrendo. Faltou força dos governadores?

- Minha impressão é que os governadores têm pouca ascendência sobre as suas bancadas. Alguns, pela fragilidade do próprio governador, como no caso do meu estado (governado pelo estreante Wilson Lima). O (Wilson) Witzel, do Rio, e o Romeu Zema (de Minas Gerais) também. São governadores que não têm ascendência nenhuma, zero. Outros têm dificuldades por questões mais políticas e até ideológicas, como governadores do PT. Alguns estão convencidos de que precisam da reforma, mas não conseguem, do ponto de vista político e ideológico, fazer com que parte dos deputados do PT votem a favor da proposta.

Essa opção de não atrasar a votação e deixar temas pendentes para o plenário decidir depois foi uma boa estratégia?

- O único ponto que ficou para acertar no plenário foi estados e municípios.

E a questão da segurança?

- O da segurança está resolvido. O plenário pode mudar, mas está resolvido. Em segurança, é preciso separar as categorias. Para as polícias militares, nós demos uma solução razoável. A União legisla sobre regras gerais e os estados legislam sobre regras específicas. No caso da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, não houve acordo por absoluta intransigência deles. Havia uma proposta de idade mínima de 53 anos para homem e 52 anos para mulher, com transição de 100%, e eles não toparam. Agora você imagina, estamos propondo que o pedreiro, o gari, o ajudante de servente trabalhem cinco anos mais, até 65 anos de idade, e o policial federal não pode trabalhar até 53? Não é razoável. Ao não aceitarem essa proposta, que foi mediada, eles ficaram com o texto original.

Nesse caso específico, é possível alterar o texto no plenário?

Houve muita unidade da comissão e, com toda pressão dos policiais, a votação foi bastante elástica. Eu acho difícil que isso mude no plenário. O problema da polícia militar os estados vão resolver. Os demais ficaram como estão por intransigência. Não acredito que segurança seja uma pendência.

Na questão dos policiais, o senhor acredita que os estados foram prejudicados?

Na verdade, teria impacto no caixa dos estados se fosse cumprido o acordo que o presidente Jair Bolsonaro fez com os policiais. O presidente fez um acordo com uma categoria que ele não paga. Um acordo para aplicar todas as regras das Forças Armadas aos policiais militares. Só que quem paga os policiais militares não é a União, e sim os estados. Ele fez um acordo insustentável.

Previdência : Bolsonaro diz que reforma ainda não acabou e equívocos poderão ser corrigidos no plenário

O presidente da República foi chamado de traidor o dia inteiro no dia em fez a proposta.

- Eu costumo dizer que existem dois Bolsonaros. Existe um Bolsonaro de 28 anos de comprometimento com as pautas corporativas mais atrasadas e existe um Bolsonaro que vestiram de liberal na campanha. Vez por outra, esses dois Bolsonaros entram em conflito. Toda vez que eles entraram em conflito, venceu o populista. Foi o que aconteceu na questão do aumento do diesel, por exemplo, e antes do envio da reforma da Previdência ao Congresso. O Bolsonaro populista, que precisava fazer um gesto para a corporação, entrou em conflito com o Bolsonaro liberal, que não podia ceder à corporação, e com o Bolsonaro estadista, que precisava pensar mais no país do que no seu compromisso de campanha. Mais uma vez, venceu o populista. Vez por outra isso vai acontecer nesse governo.

Qual foi o peso do presidente Bolsonaro nas negociações? Acredita que ele tem força para fazer mais pressões no plenário?

- O resultado (na Comissão Especial) diz isso. Não preciso nem comentar. Ele fez um gesto de manhã (a favor dos policiais federais) e à tarde foi votado contra esse gesto que ele tinha feito. Na verdade, o papel do presidente na aprovação dessa matéria foi encaminhar o projeto e um esforço de alguns ministros do governo dele, não dá para tirar esse mérito. Agora, efetivamente, a Câmara carregou nas costas o projeto de reforma da Previdência. Justamente porque é um governo que não tem uma base.

Vai continuar carregando nas costas?

- A Câmara tem um comprometimento com a pauta econômica do país, e decidiu lá atrás não deixar a pauta econômica ser contaminada pela dificuldade com o governo. Não é justo que a gente transfira para o país que está lá fora as crises que são criadas dentro da política. Não é o investidor, o empresário, o trabalhador, o desempregado que cria as crises da política. Não podem ser deles as consequências.

A decisão lá atrás de assumir o protagonismo da pauta econômica, quando o sr. disse que a Comissão Especial apresentaria um texto com a cara do parlamento, foi uma virada de chave?

- Com o resultado, se confirmou o que eu dizia lá atrás. O projeto que foi aprovado não é a negação da PEC do governo Bolsonaro, mas tem muito a cara da Câmara. E vale um registro: a Câmara está entregando ao presidente Bolsonaro mais do que ele pediu. O presidente encaminhou um projeto de R$ 1,2 trilhão, mas com um custo de transição (para o sistema de capitalização) que era enorme. Nós entregamos R$ 1 trilhão sem esse custo de transição. O presidente terá efetivamente uma economia de R$ 1 trilhão.

E se a conversa capitalização voltar lá na frente, como defende o ministro Paulo Guedes?

- Se ela vier lá na frente, nós teremos tempo suficiente para amadurecer o debate sobre transição. O problema da capitalização principal é quem paga a conta da transição, e como paga. Hoje nós temos R$ 700 bilhões de conta para pagar de Previdência e R$ 500 bilhões de arrecadação. Vamos continuar tendo R$ 700 bilhões mesmo que se migre para um sistema de capitalização, porque os atuais aposentados não vão desaperecer. Só que os R$ 500 bilhões vão ser cada vez menos, porque os novos seriam contratados pelo sistema novo. Vamos discutir como se paga essa conta e aí podemos pensar em capitalização.

Mas acredita que a ideia pode voltar a ser debatida?

- Eu não ignoro a ideia de capitalização. Acho que pode ser um caminho, mas não nos moldes verbalizados pelo ministro Guedes. Podemos ter um colchão de repartição que garanta uma renda mínima para todos, mas quem quiser receber um pouco mais capitaliza. Agora, um sistema de capitalização puro, não.

Houve falha de comunicação do governo para vender a ideia?

- Na verdade, o Paulo Guedes verbalizou um sistema que ele queria. Talvez nem era o que o governo efetivamente concebia. Quando ele verbalizou o modelo dele, ele queimou a proposta, porque o modelo dele era insustentável.

Como foi conduzir uma comissão de um assunto tão polêmico?

- Eu tenho uma convicção na minha vida pública: de que o diálogo é instrumento da democracia. Que se você respeita as diferenças você consegue construir consensos ou maiorias menos traumáticas. Desde muito cedo, fiz o presidente Rodrigo Maia, os partidos do Centro e o próprio governo, a despeito das críticas que tenho ao governo, perceberem que eu ia fazer a reforma andar. Ao mesmo tempo, dei segurança à oposição de que eu faria isso sem atropelá-los. Procurei estabelecer uma relação de confiança com os dois lados.

Mas a oposição usou manobras para ganhar tempo.

- Fui substituindo obstruções pelo que chamo de obstruções democráticas. Uma coisa é aquela obstrução em que você passa horas lendo a ata, invertendo pauta, fazendo questão de ordem improcedente. Outra coisa é a obstrução em que você garante o mais amplo debate em torno da proposta. Eu garanti esse amplo debate. Não fiz nenhum movimento sem comunicar antes a oposição. Isso foi construindo um ambiente sadio de confiança recíproca.

Teve algum momento mais crítico?

- Chegou um momento que eu estava no meio de três pressões. O presidente Rodrigo Maia queria votar muito rápido, os partidos de centro queriam um pouco mais de tempo para construir os acordos necessários em torno do texto e a oposição queria segurar. O momento mais tenso foi quando eu fiquei no meio disso, que foi nessa última semana.

Na última votação dos destaques, a bancada ruralista acabou conseguindo derrubar a reoneração que tinha sido prevista no parecer do relator. Foi uma derrota?

- O acordo era derrubar. Ali, para não dizer que não errei, eu errei no meu voto. Havia um acordo e não me senti no direito de votar contra o relatório do deputado Samuel Moreira. Arrisquei pagar um preço para não ser incorreto com o deputado Samuel, que foi correto comigo o tempo inteiro.

A pressão de lobbies como o da segurança e servidores deve continuar no plenário?

- Acho que pressão, tem. Em um ambiente de 513, em que precisa de 308 votos, tudo é muito sensível. Mas acho que tem muito comprometimento da Câmara de entregar uma reforma robusta para o país. Basta ver o que aconteceu ontem. Em um momento, eu saí da presidência, fui em cada deputado e disse: “Vamos votar hoje, preciso que você fique”. Tínhamos 35 votos na comissão. À 1h30m, tivemos uma votação e conseguimos 33 votos (favoráveis). Ou seja, tinha um comprometimento muito grande dos deputados, porque não era uma matéria empurrada goela abaixo de ninguém.






Fonte: O GLOBO

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